Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 8 - Agosto 2009
Tradução - Santiago de Novais
Alexander Abon, "Tabo", Oil on Canvas, 122 x 91, 2003
Pedro Lemebel
Escaravelhos No Parabrisas
É só por o pé no primeiro degrau do microônibus e já começar a sacolejar com o vôo destrambelhado dele. Ou melhor, é entregar-se ao barulhento tilintar da lata velha decorada com o barroco picante dos fetiches familiares. É algo assim como por rodas em uma edícula e trafegar sua estética exagerada sobre os viadutos urbanos.
Eles são praticamente um museu itinerante do kitsch doméstico, o que pode se ver muito bem no bambolear do sapatinho de bebê grudado no espelho. Também no retrovisor sem brilho, que perdeu sua função de proteger e está entupido de tranqueiras e badulaques de nylon que desfiguram suas bordas. Parece haver um poço de chantilly sobre as letras do decalque que rezam beatas: “Deus é meu co-piloto”. Sem falar daquele paninho com beiradas de crochê, que cobrem o assento do chofer, enxugando o suor ácido de suas virilhas operárias.
Tudo uma forma de criar um ambiente para a travessia popular pela cidade com o mesmo floreado plástico que cobre “as humildes mesas”. Só que nas vans, as rosas plásticas cintilam sem propósito por todos os lados. São grinaldas natalinas ou destas chispas brilhosas feitas em Hong Kong, que cintilam meio que ofuscadas pelos neons do céu metropolitano.
Assim os microônibus, ou las micros como se chamam em Santiago, se extinguem em sua caricatura legendária. Novas máquinas vão recompondo o ruído defeituoso destes motores. Ainda assim é possível encontrar alguma destas ruidosas Pila-Cementerio ou Matadero-Palma, que ameaçam desmontarem-se todas em suas viagens bamboleantes. Basta pagar a passagem e torcer para que na viagem não lhe matem do coração. Nunca se sabe o que se está pagando nestes casos, se é uma entrada em uma discoteca ambulante ou um safári aventuroso pelos pântanos de um bairro, como o Zanjon de la Aguada. Basta acomodar-se nos assentos destripados por alguma gilete perversa e escutar a música imposta pelo chofer que se traveste de DJ, piloto de fórmula um, ou cobrador implacável dos que sobem por trás. Ele então pára o microônibus e pede que façam passar de mão em mão as moedas destes que tentam entrar pela porta de trás sem pagar, mas a moeda acaba por se perder em alguma mão, algum bolso oportunista em meio ao caminho. Então este mesmo chofer se transforma em ogro, em um monstro horrível e berrante que deita espuma pela boca, gritando que “os chilenos são uns filhadaputa descarados!”. E emenda: “e a Senhora aí, vai logo para o fundo!”, diz ele à gorda que bloqueando o corredor não deixava ninguém passar. Ainda que digam a ela que mais ao fundo havia assento livre, ela não se mexe. Então uma bichinha que se fazia de tonta, destas que ficam olhando a numeração das ruas para fingir se distrair, e que se mexem, rebolam quando um macho passa atrás delas. Mais um pouco e um vem e a encoxa rapidamente e ela fica bem quietinha, aproveitando-se da ereção que ele tem, bem safada. E o corredor vai se enchendo e os que descem reclamam do aperto e aquele macho muda de posição e vai depositar o pacote no ombro de outra mulher sentada.
Assim passam os microônibus pelas ruas em uma filmografia que recorta a cidade quadro a quadro, reproduzindo em seu reverso de cristal reflexos que transformam os rostos laborais e repetidos, só parecidos em seus bocejos de esgotamento. Este é o retorno para casa destes corpos que parecem sem alma de tanto cansaço e que agarrados aos ferros dormitam acariciados pelo vaivém gelatinoso desta rotina veicular dos microônibus lotados.
Os microônibus são, portanto uma lata de sopa que revolve nossos intestinos. Um pastiche de eructações, flatulências e peidos que colorem o duro trânsito até a periferia. Assim seguem a viagem, com o desce e sobe de passageiros que desesperados para conseguir um assento não sentem uma mão ligeira e sedosa que lhes limpa a carteira. Em sua histeria para acomodarem-se não sentem nem que um par de luvas quente lhes agarra, quase lhes esmagando-lhes o tecido muscular. Mesmo assim, habituados que estão, sentam e evitam fazer escândalo. Mas e daí também um agarrãozinho de nada não tira pedaços. Um par de luvas lascivo é sempre necessário na cidade, porque revolve a frigidez e deixa quente a água para o mate que se tomará mais tarde em casa...
Por isto da bichinha não vai acabar sobrando nem a bunda com tanto esfrega-esfrega das “mangueiras”. Já não lhe sobra nem coração em seu repartido corpo plural, que tão logo se entrega ao roçar e em seguida tem que se despedir de cada passageiro que toca a campainha para descer. Como se a fricção destes apertos eretos e golpes suaves se prolongassem em um coito imaginário, em uma fila de véus que saúdam seu ânus com um beijo de estréia e despedida. Como se passasse em revista um abrir e fechar de glúteos, e ela levasse este toque picante em sua memória flagelada.
Como se isto não bastasse, no corredor avança um colegial e que só de vê-lo a alma lhe escapa para fora do corpo. Então ela se segura no encosto e cada vez que ele se ajeita, ela nem respira. E quase desmaia quando se dá conta de que o moleque não se move, ou melhor, que se esfrega nos seus dedos estendidos. E assim, mão e nervo, ferro e carne, bicha e moleque, vão agarrados na mesma febre, sujeitos do mesmo desejo clandestino que ninguém vê. Nem mesmo o policial que se faz de civil se dá conta do que o estudante está fazendo bem na frente do seu nariz. Nem o cavalheiro com um chapéu meio hippie e que põe o seu Ray-ban e abre a janela por causa de algum mau cheiro. Um fedor de suores misturados que cheira a queijo azedo lhe abasta o nariz. E debruçando a cabeça pra fora da janela aberta, ele absorve uma bocada de ar fresco. Assim uma lufada de vento como um soco na cara lhe arranca os óculos, deixando-lhe um arranhão no rosto.
Mas estes incidentes não tiram o brilho da festa micreira que acontece diariamente nos microônibus, e por isto, o cavalheiro tem que fechar a janela e suportar a fetidez que lhe oferece a gorda em uma espécie de bandeja cabeluda, sentando-se ao lado dele. O fino rapaz tem ainda que suportar esta música de bordel que se ouve nas vans, esse “Todo, todo”, de Daniela Romo, que agita as cabeças com o ritmo das maracas. Como se a van fosse uma jukebox rodante que liberasse sua batida ressentida na febre de seu canto, e que todos, menos o cavalheiro, a acompanhasse batendo os pés no chão debaixo dos assentos. Até mesmo a senhora com seus três filhos, que entre dar o peito pra um, pentear o outro e cobrir o terceiro, lhe sobra como cantarolar “Todo, todo”, enquanto se reparte em mil mãos para cuidar de sua prole.
O “Todo, todo” musical diminui o cansaço dos operários que apóiam a cabeça no vidro da janela para sonhar com a Daniela Romo e seu molejo de dançarina de rumba. Este mesmo “Todo, todo” anima até o chofer, que mete o pé no acelerador e de vez em quando freia bruscamente e isto faz as dobras da gorda caírem sobre o cavalheiro, que desagradado arruma o chapéu. Neste meio tempo sobe no microônibus um grupo de músicos com violões e que entram ruidosos com seu show peregrino e com seu barulho abafam a música de Daniela com o metal desafinado de uma garganta que trina “lágrima pagã”.
Assim canto e rádio, chacoalhar das latas e velocidade, são um presságio quando o chofer para ultrapassar outro chofer “inimigo” de linha, se confunde em sua ira com farol que passa de amarelo para vermelho, e em um instante tudo fica vermelho. Tudo vira um charco na violência do impacto. Tudo são chispas e ardência de ossos despedaçados. Tudo é uma gritadeira por auxílio e para que peguem as crianças pela saída de emergência que se incendeia. Tudo são alaridos e combustão enquanto a gasolina se derrama e a porta trancada não cede, e entre os ferros retorcidos se vê uma mão se despedindo. Como se por um momento “Todo, todo” se tornasse real e de uma maneira trágica fizesse a gorda explodir como se ela fosse um zepelim sangrento. E um golpe metálico que faz o chapéu do cavalheiro voar pelos ares junto com sua massa encefálica. Um todo de dor que acaba comprimindo pra sempre a bichinha e o colegial em um abraço de tripas para o ar, justo quando o menino quase chegando ao jorro de pérolas.
Ao fim, tudo foi traumatismo, pedaços de bebês, restos de violões e gente chamando ambulâncias e sirenes o que parecia aumentar o fogo. E o “Todo, todo” do cassete seguia tocando, girando como um pneu que perde a pista e sai rolando por aí, até mesmo quando a carroceria se desfaz em brasas flamejantes na última explosão daquela espécie de nave viking.
Assim os microônibus se exilam em sua desconcertante velhice. Ônibus aerodinâmicos apagam seu carnaval cinzento, traçam novas rotas sem risco e numerações codificadas substituem a poética das antigas rotas.
A cidade explode em uma megalópole pressurizada para o sono destes paquidermes que se distanciam do centro tossindo seus vapores mortíferos, refletindo em seus vidros escuros os traços dourados da modernidade.
* * *
De poner un pie en la pisadera y encaramarse al vuelo cumbiado de la micro. Más bien de entregarse a los tiritones de sus latas decoradas con el barroco picante de los fetiches familiares. Algo así como ponerle ruedas a la mediagua y traficar su estética chillona por los viaductos urbanos.
Casi un museo itinerante del kitsch doméstico que bambolea en el zapatito de guagua colgado en el espejo. Un cristal que perdió su función de vigilar, atiborrado de chiches y encajes nylon que enaguan el azogue de sus bordes. Quizás un marco chantilly para la letra porra de sus calcomanías que rezan beatas "Dios es mi copiloto". Como el pañito tejido a croché que cubre el asiento del chofer, enjugando el sudor ácido de sus verijas obreras.
Una forma de ambientar la travesía popular con el mismo floreado plástico que cubre "la humilde mesa". Sólo que en la micro las rosas plásticas parpadean con luz trashumante. Son guirnaldas pascueras o chispas made in Hong-Kong, que titilan opacadas por el fulgor de los neones en el cielo metropolitano.
Así las micros se extinguen en su caricatura de leyenda. Nuevas máquinas van reemplazando el gangoso ronquido de sus tarros. Pero aún es posible encontrar alguna destartalada Pila-Cementerio o Matadero-Palma, que amenaza desarmarse en cada zangoloteo de embrague. Sólo basta canjear la moneda por un boleto que asegura unidad coronaria al instante. Nunca se sabe lo que se paga; si la entrada a una discoteca ambulante o un safari en los pantanos del Zanjón de la Aguada. Solamente acomodarse en los asientos destripados por alguna gillette perversa y escuchar la música impuesta por el chofer, que se traviste en disjockey, piloto fórmula uno, o cobrador implacable de los que se suben por atrás sin pagar. Entonces chanta la máquina pidiendo que echen a correr la moneda, pero la moneda que venía pasando de mano en mano se perdió en algún bolsillo oportunista. Entonces el mismo chofer se transforma en ogro que echa espuma gritando que los chilenos son unos huevones sinvergüenzas. Y usted, señora, córrase para atrás, le dice a la gorda que atascada en el pasillo no deja pasar a nadie. Aunque le digan que atrasito hay asiento, atrás hay un hueco. Más bien una loca que haciéndose la lesa, la que mira la numeración de las calles, se agacha cuando un macho pasa a su espalda. Un macho que la puntea fugaz y ella se queda muy quieta gozando la dureza. Pero el pasillo se llena y los que bajan reclaman y el macho se corre al hombro de una mujer sentada y le deposita el paquete.
Así pasan y pasan las calles en una filmografía que recorta la ciudad cuadro a cuadro, reproduciendo en su reverso de cristal empañado el rostro laboral repetido en un bostezo de agotamiento. El regreso a casa de los cuerpos, que colgando de los fierros, dormitan acunados por el vaivén gelatinoso de la rutina vehicular.
La micro es una lata de sopa que revuelve los intestinos. Un pastiche de eructos, flatos y peos que colorean el duro tránsito que se desbarranca a la periferia. Mientras bajan y suben pasajeros que en la desesperación por agarrar un asiento, no sienten la seda de una mano que despabila la billetera. En su histeria por acomodarse, no sienten el guante tibio que les horada los muslos. Más bien lo sienten y no hacen escándalo. Total un agarrón al paso no deja consecuencias. Un guante lascivo siempre es necesario en la ciudad, porque remece la frigidez y deja caliente el agua para el mate que se tomará en casa.
Por eso a la loca ya no le queda traste con tanta friega de mangos. Ya no le queda corazón en su repartija de cuerpo plural, que se entrega al roce y se despide en cada boleto que timbra la campanilla de bajada. Como si la fricción de esa huella erecta en el cachete se prolongara en un coito imaginario, en una fila de tulas que saludan su ano con un beso de debut y despedida. Como si pasara revista en un abrir y cerrar glúteos, llevándose el tacto punzante en su memoria flagelada.
Pero eso no basta, porque en el pasillo avanza un escolar que de verlo se le fuga el alma. Entonces se toma del pasamanos a la altura del marrueco y cada vez que el chico afirma el bulto la loca no respira. Más bien desfallece cuando se da cuenta de que el péndex no se quita, es decir, se refriega en sus dedos agarrotados. Y así mano y nervio, fierro y carne, loca y péndex, van agarrados de la misma fiebre, sujetos del mismo deseo clandestino que nadie ve. Ni siquiera el paco sentado que se hace el civil y no se da cuenta de la paja que le corren al estudiante en sus propias narices. O el caballero de sombrero jipi-japa que se pone lentes Rayban y abre la ventana por algún mal olor. Un rezumo a queso de pata o roquefort con hongos que lo hace ariscar la nariz. Y asomando la cabeza afuera absorbe una bocanada de aire frío. Más bien una ráfaga de viento en el manotazo del punga que le arranca los lentes, dejándole un arañón en la cara.
Pero estos incidentes no opacan el brillo de la fiesta micrera, por eso el caballero tiene que cerrar la ventana y soportar la fetidez que le ofrece la gorda en bandeja peluda sentándose a su lado. El fino caballero tiene que bancarse esa música de burdel, ese "Todo, todo" de Daniela Romo que agita las cabezas con su ritmo maraco. Como si la micro fuera un wurlitzer rodante que liberara su pulso resentido en la fiebre del canto, que todos (menos el caballero) acompañan moviendo los pies bajo los asientos. Hasta la señora de los tres niños que, entre meterle la teta a uno, peinar al otro y aforrarle al tercero, le alcanza para entonar el "Todo, todo" mientras se reparte en mil manos que cuidan a la prole.
El "Todo, todo" musicante rebasa las penas de los obreros, que se permiten apoyar la cabeza en el vidrio para soñar a la Daniela Romo y enjugarle su zampa rumbera. Ese mismo "Todo, todo" anima al chofer que mete chala al acelerador y pega unos frenazos que pliegan en acordeón las charchas de la gorda sobre el caballero pituco, que disgustado se arregla el sombrero. Mientras sube un show peregrino de guitarras que opacan a la Daniela, con el metal destemplado de una garganta que trina lágrima pagana.
Así, canto y radio, balatas y velocidad, son un celaje cuando el chofer corriendo la largada con otro chofer enemigo de línea, se le confunde la ira con el sangramiento del semáforo y en un instante todo es semáforo. Todo es charco en la violencia del impacto. Todo es chispazo y ardor de huesos astillados. Todo es gritadera de auxilio; que saquen a los niños por la puerta de escape que se incendia. Todo es alarido y combustión cuando estalla la bencina y la puerta trancada no cede y entre los fierros retorcidos se asoma una mano despidiéndose. Como si en un momento el "Todo, todo" se hubiera hecho real en un todo de tragedia que reventó a la gorda como un zepelín sangriento. Una cachetada metálica que al caballero le voló el sombrero con la masa encefálica. Un todo de dolor que comprimió para siempre a la loca y al péndex en un abrazo de tripas al aire, justo cuando al chico le venía el chorro de perlas.
Todo fue traumatismo, pedazos de guagua, restos de guitarra y llamaradas de ambulancias y sirenas que aumentan el fuego, el "Todo, todo" del caset que sigue sonando, girando como un neumático que perdió la pista. Aun cuando la carrocería se despelleja en brasas que flamean en un último destello de nave vikinga.
Así, las micros se exilian en su desguañangada senectud. Buses aerodinámicos borran su carnaval ceniciento, trazan nuevas rutas sin riesgo y numeraciones codificadas que reemplazan la poética de los antiguos recorridos.
La ciudad estalla en una megalópolis apresurada para el sopor de estos paquidermos, que se alejan de la urbe tosiendo sus vapores mortíferos, reflejando en los vidrios parchados las cintas doradas de la modernidad.
Eles são praticamente um museu itinerante do kitsch doméstico, o que pode se ver muito bem no bambolear do sapatinho de bebê grudado no espelho. Também no retrovisor sem brilho, que perdeu sua função de proteger e está entupido de tranqueiras e badulaques de nylon que desfiguram suas bordas. Parece haver um poço de chantilly sobre as letras do decalque que rezam beatas: “Deus é meu co-piloto”. Sem falar daquele paninho com beiradas de crochê, que cobrem o assento do chofer, enxugando o suor ácido de suas virilhas operárias.
Tudo uma forma de criar um ambiente para a travessia popular pela cidade com o mesmo floreado plástico que cobre “as humildes mesas”. Só que nas vans, as rosas plásticas cintilam sem propósito por todos os lados. São grinaldas natalinas ou destas chispas brilhosas feitas em Hong Kong, que cintilam meio que ofuscadas pelos neons do céu metropolitano.
Assim os microônibus, ou las micros como se chamam em Santiago, se extinguem em sua caricatura legendária. Novas máquinas vão recompondo o ruído defeituoso destes motores. Ainda assim é possível encontrar alguma destas ruidosas Pila-Cementerio ou Matadero-Palma, que ameaçam desmontarem-se todas em suas viagens bamboleantes. Basta pagar a passagem e torcer para que na viagem não lhe matem do coração. Nunca se sabe o que se está pagando nestes casos, se é uma entrada em uma discoteca ambulante ou um safári aventuroso pelos pântanos de um bairro, como o Zanjon de la Aguada. Basta acomodar-se nos assentos destripados por alguma gilete perversa e escutar a música imposta pelo chofer que se traveste de DJ, piloto de fórmula um, ou cobrador implacável dos que sobem por trás. Ele então pára o microônibus e pede que façam passar de mão em mão as moedas destes que tentam entrar pela porta de trás sem pagar, mas a moeda acaba por se perder em alguma mão, algum bolso oportunista em meio ao caminho. Então este mesmo chofer se transforma em ogro, em um monstro horrível e berrante que deita espuma pela boca, gritando que “os chilenos são uns filhadaputa descarados!”. E emenda: “e a Senhora aí, vai logo para o fundo!”, diz ele à gorda que bloqueando o corredor não deixava ninguém passar. Ainda que digam a ela que mais ao fundo havia assento livre, ela não se mexe. Então uma bichinha que se fazia de tonta, destas que ficam olhando a numeração das ruas para fingir se distrair, e que se mexem, rebolam quando um macho passa atrás delas. Mais um pouco e um vem e a encoxa rapidamente e ela fica bem quietinha, aproveitando-se da ereção que ele tem, bem safada. E o corredor vai se enchendo e os que descem reclamam do aperto e aquele macho muda de posição e vai depositar o pacote no ombro de outra mulher sentada.
Assim passam os microônibus pelas ruas em uma filmografia que recorta a cidade quadro a quadro, reproduzindo em seu reverso de cristal reflexos que transformam os rostos laborais e repetidos, só parecidos em seus bocejos de esgotamento. Este é o retorno para casa destes corpos que parecem sem alma de tanto cansaço e que agarrados aos ferros dormitam acariciados pelo vaivém gelatinoso desta rotina veicular dos microônibus lotados.
Os microônibus são, portanto uma lata de sopa que revolve nossos intestinos. Um pastiche de eructações, flatulências e peidos que colorem o duro trânsito até a periferia. Assim seguem a viagem, com o desce e sobe de passageiros que desesperados para conseguir um assento não sentem uma mão ligeira e sedosa que lhes limpa a carteira. Em sua histeria para acomodarem-se não sentem nem que um par de luvas quente lhes agarra, quase lhes esmagando-lhes o tecido muscular. Mesmo assim, habituados que estão, sentam e evitam fazer escândalo. Mas e daí também um agarrãozinho de nada não tira pedaços. Um par de luvas lascivo é sempre necessário na cidade, porque revolve a frigidez e deixa quente a água para o mate que se tomará mais tarde em casa...
Por isto da bichinha não vai acabar sobrando nem a bunda com tanto esfrega-esfrega das “mangueiras”. Já não lhe sobra nem coração em seu repartido corpo plural, que tão logo se entrega ao roçar e em seguida tem que se despedir de cada passageiro que toca a campainha para descer. Como se a fricção destes apertos eretos e golpes suaves se prolongassem em um coito imaginário, em uma fila de véus que saúdam seu ânus com um beijo de estréia e despedida. Como se passasse em revista um abrir e fechar de glúteos, e ela levasse este toque picante em sua memória flagelada.
Como se isto não bastasse, no corredor avança um colegial e que só de vê-lo a alma lhe escapa para fora do corpo. Então ela se segura no encosto e cada vez que ele se ajeita, ela nem respira. E quase desmaia quando se dá conta de que o moleque não se move, ou melhor, que se esfrega nos seus dedos estendidos. E assim, mão e nervo, ferro e carne, bicha e moleque, vão agarrados na mesma febre, sujeitos do mesmo desejo clandestino que ninguém vê. Nem mesmo o policial que se faz de civil se dá conta do que o estudante está fazendo bem na frente do seu nariz. Nem o cavalheiro com um chapéu meio hippie e que põe o seu Ray-ban e abre a janela por causa de algum mau cheiro. Um fedor de suores misturados que cheira a queijo azedo lhe abasta o nariz. E debruçando a cabeça pra fora da janela aberta, ele absorve uma bocada de ar fresco. Assim uma lufada de vento como um soco na cara lhe arranca os óculos, deixando-lhe um arranhão no rosto.
Mas estes incidentes não tiram o brilho da festa micreira que acontece diariamente nos microônibus, e por isto, o cavalheiro tem que fechar a janela e suportar a fetidez que lhe oferece a gorda em uma espécie de bandeja cabeluda, sentando-se ao lado dele. O fino rapaz tem ainda que suportar esta música de bordel que se ouve nas vans, esse “Todo, todo”, de Daniela Romo, que agita as cabeças com o ritmo das maracas. Como se a van fosse uma jukebox rodante que liberasse sua batida ressentida na febre de seu canto, e que todos, menos o cavalheiro, a acompanhasse batendo os pés no chão debaixo dos assentos. Até mesmo a senhora com seus três filhos, que entre dar o peito pra um, pentear o outro e cobrir o terceiro, lhe sobra como cantarolar “Todo, todo”, enquanto se reparte em mil mãos para cuidar de sua prole.
O “Todo, todo” musical diminui o cansaço dos operários que apóiam a cabeça no vidro da janela para sonhar com a Daniela Romo e seu molejo de dançarina de rumba. Este mesmo “Todo, todo” anima até o chofer, que mete o pé no acelerador e de vez em quando freia bruscamente e isto faz as dobras da gorda caírem sobre o cavalheiro, que desagradado arruma o chapéu. Neste meio tempo sobe no microônibus um grupo de músicos com violões e que entram ruidosos com seu show peregrino e com seu barulho abafam a música de Daniela com o metal desafinado de uma garganta que trina “lágrima pagã”.
Assim canto e rádio, chacoalhar das latas e velocidade, são um presságio quando o chofer para ultrapassar outro chofer “inimigo” de linha, se confunde em sua ira com farol que passa de amarelo para vermelho, e em um instante tudo fica vermelho. Tudo vira um charco na violência do impacto. Tudo são chispas e ardência de ossos despedaçados. Tudo é uma gritadeira por auxílio e para que peguem as crianças pela saída de emergência que se incendeia. Tudo são alaridos e combustão enquanto a gasolina se derrama e a porta trancada não cede, e entre os ferros retorcidos se vê uma mão se despedindo. Como se por um momento “Todo, todo” se tornasse real e de uma maneira trágica fizesse a gorda explodir como se ela fosse um zepelim sangrento. E um golpe metálico que faz o chapéu do cavalheiro voar pelos ares junto com sua massa encefálica. Um todo de dor que acaba comprimindo pra sempre a bichinha e o colegial em um abraço de tripas para o ar, justo quando o menino quase chegando ao jorro de pérolas.
Ao fim, tudo foi traumatismo, pedaços de bebês, restos de violões e gente chamando ambulâncias e sirenes o que parecia aumentar o fogo. E o “Todo, todo” do cassete seguia tocando, girando como um pneu que perde a pista e sai rolando por aí, até mesmo quando a carroceria se desfaz em brasas flamejantes na última explosão daquela espécie de nave viking.
Assim os microônibus se exilam em sua desconcertante velhice. Ônibus aerodinâmicos apagam seu carnaval cinzento, traçam novas rotas sem risco e numerações codificadas substituem a poética das antigas rotas.
A cidade explode em uma megalópole pressurizada para o sono destes paquidermes que se distanciam do centro tossindo seus vapores mortíferos, refletindo em seus vidros escuros os traços dourados da modernidade.
* * *
Coleópteros en el parabrisas
De poner un pie en la pisadera y encaramarse al vuelo cumbiado de la micro. Más bien de entregarse a los tiritones de sus latas decoradas con el barroco picante de los fetiches familiares. Algo así como ponerle ruedas a la mediagua y traficar su estética chillona por los viaductos urbanos.
Casi un museo itinerante del kitsch doméstico que bambolea en el zapatito de guagua colgado en el espejo. Un cristal que perdió su función de vigilar, atiborrado de chiches y encajes nylon que enaguan el azogue de sus bordes. Quizás un marco chantilly para la letra porra de sus calcomanías que rezan beatas "Dios es mi copiloto". Como el pañito tejido a croché que cubre el asiento del chofer, enjugando el sudor ácido de sus verijas obreras.
Una forma de ambientar la travesía popular con el mismo floreado plástico que cubre "la humilde mesa". Sólo que en la micro las rosas plásticas parpadean con luz trashumante. Son guirnaldas pascueras o chispas made in Hong-Kong, que titilan opacadas por el fulgor de los neones en el cielo metropolitano.
Así las micros se extinguen en su caricatura de leyenda. Nuevas máquinas van reemplazando el gangoso ronquido de sus tarros. Pero aún es posible encontrar alguna destartalada Pila-Cementerio o Matadero-Palma, que amenaza desarmarse en cada zangoloteo de embrague. Sólo basta canjear la moneda por un boleto que asegura unidad coronaria al instante. Nunca se sabe lo que se paga; si la entrada a una discoteca ambulante o un safari en los pantanos del Zanjón de la Aguada. Solamente acomodarse en los asientos destripados por alguna gillette perversa y escuchar la música impuesta por el chofer, que se traviste en disjockey, piloto fórmula uno, o cobrador implacable de los que se suben por atrás sin pagar. Entonces chanta la máquina pidiendo que echen a correr la moneda, pero la moneda que venía pasando de mano en mano se perdió en algún bolsillo oportunista. Entonces el mismo chofer se transforma en ogro que echa espuma gritando que los chilenos son unos huevones sinvergüenzas. Y usted, señora, córrase para atrás, le dice a la gorda que atascada en el pasillo no deja pasar a nadie. Aunque le digan que atrasito hay asiento, atrás hay un hueco. Más bien una loca que haciéndose la lesa, la que mira la numeración de las calles, se agacha cuando un macho pasa a su espalda. Un macho que la puntea fugaz y ella se queda muy quieta gozando la dureza. Pero el pasillo se llena y los que bajan reclaman y el macho se corre al hombro de una mujer sentada y le deposita el paquete.
Así pasan y pasan las calles en una filmografía que recorta la ciudad cuadro a cuadro, reproduciendo en su reverso de cristal empañado el rostro laboral repetido en un bostezo de agotamiento. El regreso a casa de los cuerpos, que colgando de los fierros, dormitan acunados por el vaivén gelatinoso de la rutina vehicular.
La micro es una lata de sopa que revuelve los intestinos. Un pastiche de eructos, flatos y peos que colorean el duro tránsito que se desbarranca a la periferia. Mientras bajan y suben pasajeros que en la desesperación por agarrar un asiento, no sienten la seda de una mano que despabila la billetera. En su histeria por acomodarse, no sienten el guante tibio que les horada los muslos. Más bien lo sienten y no hacen escándalo. Total un agarrón al paso no deja consecuencias. Un guante lascivo siempre es necesario en la ciudad, porque remece la frigidez y deja caliente el agua para el mate que se tomará en casa.
Por eso a la loca ya no le queda traste con tanta friega de mangos. Ya no le queda corazón en su repartija de cuerpo plural, que se entrega al roce y se despide en cada boleto que timbra la campanilla de bajada. Como si la fricción de esa huella erecta en el cachete se prolongara en un coito imaginario, en una fila de tulas que saludan su ano con un beso de debut y despedida. Como si pasara revista en un abrir y cerrar glúteos, llevándose el tacto punzante en su memoria flagelada.
Pero eso no basta, porque en el pasillo avanza un escolar que de verlo se le fuga el alma. Entonces se toma del pasamanos a la altura del marrueco y cada vez que el chico afirma el bulto la loca no respira. Más bien desfallece cuando se da cuenta de que el péndex no se quita, es decir, se refriega en sus dedos agarrotados. Y así mano y nervio, fierro y carne, loca y péndex, van agarrados de la misma fiebre, sujetos del mismo deseo clandestino que nadie ve. Ni siquiera el paco sentado que se hace el civil y no se da cuenta de la paja que le corren al estudiante en sus propias narices. O el caballero de sombrero jipi-japa que se pone lentes Rayban y abre la ventana por algún mal olor. Un rezumo a queso de pata o roquefort con hongos que lo hace ariscar la nariz. Y asomando la cabeza afuera absorbe una bocanada de aire frío. Más bien una ráfaga de viento en el manotazo del punga que le arranca los lentes, dejándole un arañón en la cara.
Pero estos incidentes no opacan el brillo de la fiesta micrera, por eso el caballero tiene que cerrar la ventana y soportar la fetidez que le ofrece la gorda en bandeja peluda sentándose a su lado. El fino caballero tiene que bancarse esa música de burdel, ese "Todo, todo" de Daniela Romo que agita las cabezas con su ritmo maraco. Como si la micro fuera un wurlitzer rodante que liberara su pulso resentido en la fiebre del canto, que todos (menos el caballero) acompañan moviendo los pies bajo los asientos. Hasta la señora de los tres niños que, entre meterle la teta a uno, peinar al otro y aforrarle al tercero, le alcanza para entonar el "Todo, todo" mientras se reparte en mil manos que cuidan a la prole.
El "Todo, todo" musicante rebasa las penas de los obreros, que se permiten apoyar la cabeza en el vidrio para soñar a la Daniela Romo y enjugarle su zampa rumbera. Ese mismo "Todo, todo" anima al chofer que mete chala al acelerador y pega unos frenazos que pliegan en acordeón las charchas de la gorda sobre el caballero pituco, que disgustado se arregla el sombrero. Mientras sube un show peregrino de guitarras que opacan a la Daniela, con el metal destemplado de una garganta que trina lágrima pagana.
Así, canto y radio, balatas y velocidad, son un celaje cuando el chofer corriendo la largada con otro chofer enemigo de línea, se le confunde la ira con el sangramiento del semáforo y en un instante todo es semáforo. Todo es charco en la violencia del impacto. Todo es chispazo y ardor de huesos astillados. Todo es gritadera de auxilio; que saquen a los niños por la puerta de escape que se incendia. Todo es alarido y combustión cuando estalla la bencina y la puerta trancada no cede y entre los fierros retorcidos se asoma una mano despidiéndose. Como si en un momento el "Todo, todo" se hubiera hecho real en un todo de tragedia que reventó a la gorda como un zepelín sangriento. Una cachetada metálica que al caballero le voló el sombrero con la masa encefálica. Un todo de dolor que comprimió para siempre a la loca y al péndex en un abrazo de tripas al aire, justo cuando al chico le venía el chorro de perlas.
Todo fue traumatismo, pedazos de guagua, restos de guitarra y llamaradas de ambulancias y sirenas que aumentan el fuego, el "Todo, todo" del caset que sigue sonando, girando como un neumático que perdió la pista. Aun cuando la carrocería se despelleja en brasas que flamean en un último destello de nave vikinga.
Así, las micros se exilian en su desguañangada senectud. Buses aerodinámicos borran su carnaval ceniciento, trazan nuevas rutas sin riesgo y numeraciones codificadas que reemplazan la poética de los antiguos recorridos.
La ciudad estalla en una megalópolis apresurada para el sopor de estos paquidermos, que se alejan de la urbe tosiendo sus vapores mortíferos, reflejando en los vidrios parchados las cintas doradas de la modernidad.